Mundo à Mesa

Chef Frédéric Monnier ensina crianças a comer de forma saudável

Foi na escola francesa do Rio de Janeiro, Lycée Molière, que o chef francês criou uma cantina responsável, multicultural e sustentável

Por Sut-Mie Guibert

Frédéric Monnier nem parece francês; seus amigos o chamam de “o mais carioca dos chefs franceses”! E, efetivamente, ele tem o sorriso largo, a conversa solta, ama a terra e os sabores de onde mora há mais de 20 anos. Casou com uma brasileira conhecida no Carnaval e hoje têm 3 filhos adolescentes. Não fosse o sotaque puxado e uma tradição e raízes mantidas nos pequenos detalhes, nós poderíamos duvidar. Essa mistura cultural é interessante para a sua história profissional: aprendeu a cozinhar com o seu avô e pai na França, já na tenra idade, viajou bastante a trabalho em diferentes países e acabou conhecendo o Brasil. Hoje, além do desejado título de Maître Cuisinier de France, de ter sua marca própria de produtos gastronômicos franceses, ele também carrega a responsabilidade de ser Chef Embaixador do Senac desde 2006, onde faz muitos cursos e consultorias. Além disso, ainda tem o Arte SESC Bistrô e o novo Vieira Cuisine Bistrô sob seus cuidados.

Foi essa sua dupla/múltipla cultura gastronômica, aliada à experiência de professor e administrador que o guiou quando o Liceu francês do Rio de Janeiro, Lycée Molière, pediu sua ajuda para manter a cantina escolar, já que o fornecedor anterior largou tudo, dois meses antes da volta às aulas. Foi nessa situação de emergência que ele começou a sua experiência na escola. Mas a parte boa é que sua autonomia foi total para montar uma cantina nova: contratou nutricionista, estruturou equipes, montou cardápios equilibrados sem junk food…e, principalmente, colocou em prática o seu sonho de uma cantina saudável para alimentar cidadãos do futuro.

Uma cozinha responsável e sustentável

O primeiro passo foi, com a ajuda do Sebrae, montar uma horta em um terreno contíguo da escola, com coleta de água de chuva e compostagem. Os objetivos foram variados: ter produtos orgânicos para a cozinha e diversos fins pedagógicos como ensino de sustentabilidade, educação ambiental e educação alimentar saudável. Mas não só: como a escola vai do maternal ao ensino médio, até os alunos mais velhos puderam aproveitar ateliês de biologia, química e agroecologia.

Deu muito certo! Já tem 10 anos, a cantina do Lycée oferece uma alimentação saudável, variada, com pouco sal, menos açúcar e dia-sem-carne. Ainda não dá para ser 100% orgânica, mas o Fred tenta ao máximo, inclusive comprando de pequenos produtores para integração de uma comunidade agrícola.

Os benefícios são visíveis: as crianças entendem a importância da natureza, sua integração, se sentem parte do meio ambiente. Eles diferenciam alimentos saudáveis de produtos industrializados e menos nutritivos. O famoso “descasque mais e desembale menos”.

Na prática, os pequenos adoram plantar em potinhos, fazer mudas, depois verem crescer, colher. O trabalho em grupo também é incentivado, com papéis definidos: uns colhem, outros lavam, outros cortam… e é assim que podemos ver nos corredores o aviso de que naquele dia “a refeição principal foi feita pela classe tal”.

De vez em quando, as crianças também elaboram o menu, com a ajuda da nutricionista. E é assim que os papéis se invertem: eles voltam para casa ensinando aos pais hábitos mais saudáveis.

“As crianças levam cenouras, gengibre e ervas para casa como se fossem tesouros” afirma Frédéric.

Uma cozinha multicultural

Como a escola recebe muitas crianças estrangeiras e brasileiras e que o Frédéric também é apegado à sua cultura francesa, o cardápio acaba sendo bastante eclético e segue calendários festivos dos dois países, França e Brasil, com crepes, macarrons, bûche de Noel (bolo natalino que simula um tronco de árvore), galette des rois (bolo de reis) e até éclairs (e não “bombinha de chocolate”, s’il vous plaît)! Em paralelo, as crianças que chegam de fora descobrem muitas frutas, o feijão preto, a farofa, os pratos da época junina e até iguarias de outras regiões, como o peixe amazônico Pirarucu.

Este último, inclusive, virou estrela, digno de exposição e palestra. Junto com outros chefs, Frédéric foi convidado pelo coletivo Gosto da Amazônia para passar uma semana na Amazônia, descobrindo o manejo sustentável do Pirarucu, o maior peixe de água doce do mundo, que pode chegar a 3m de comprimento e pesar 200Kg. Ele conheceu indígenas da tribo Paumari e comunidades ribeirinhas que pescam o pirarucu de forma controlada, descobriu formas de preparar o peixe e viu que um só peixe e uma só mandioca gigante foram capazes de alimentar 150 pessoas em um banquete feito na floresta. De volta para o Rio de Janeiro, imbuído dessas fortes vivências, decidiu compartilhar sua experiência com o Liceu e seus outros projetos. Convidou indígenas para fazerem palestras, fez uma exposição de fotógrafos amazonenses na cantina e, claro, o Pirarucu passou a fazer parte do menu, onde está até hoje. “Trabalhar com o pirarucu selvagem e sustentável da Amazônia é especial por todo o papel de união das comunidades e conservação da Floresta”, destaca Frédéric.

Chef Frédéric Monnier assa pirarucu sobre folhas de bananeira, na floresta amazônica

Frédéric gosta de afirmar que “não se pode pensar bem, amar bem, dormir bem, se não comer bem” e, para isso, é necessário ensinar às crianças a se alimentarem saudavelmente desde cedo, deixando-as entrar na cozinha com você, mexer nos alimentos, cozinhar juntos; foi assim que ele aprendeu com o seu avô e pai e é isso que ele passa para a sua família e geração futuras. É preciso compartilhar esses momentos e experiências, de forma que a comida seja sempre algo respeitado e extremamente prazeroso.

Veja um trecho da nossa entrevista no vídeo abaixo:

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