Family Trip Magazine

Como um projeto social virou atração turística (e vice-versa)

A Fundação Almerinda Malaquias, na Amazônia, abraça a comunidade ribeirinha e atrai viajantes de todas as idades

Por Henrique Skujis

A criançada arregala os olhos. Um pedaço de madeira, resto de árvore caído no solo da Floresta Amazônica, se transforma em um pirarucu. Nas mãos habilidosas de artesãos, aquele toco ganha vida. Vêm ao mundo um peixe-boi, um tatu, uma tartaruga, um boto, um jacaré. Um mundo de faz de conta nasce. A fauna da maior floresta tropical do planeta vira fantoche na imaginação das crianças. E enfeite sob medida para os adultos levarem para casa.

Visitar o ateliê da Fundação Almerinda Malaquias, em Novo Airão, cidade na beira do rio Negro, a 130 quilômetros de Manaus, é uma viagem para forasteiros de todas as idades. Enquanto 40 ribeirinhos treinados e organizados em forma de cooperativa produzem o delicado artesanato diante dos olhos curiosos do viajante, uma centena de crianças e adolescentes com idades entre 6 e 17 anos correm entre as árvores, cantam, dançam e sentam-se para aprender (e ensinar) educação ambiental.

Se um livro escolar fala sobre uma espécie de árvore, aqui na fundação as crianças observam, tocam e sobem nela, diz Miguel de Souza, um dos educadores que interagem com as crianças diariamente. 

Além de tirar as crianças da rua, as atividades gratuitas para as crianças locais conscientizam os estudantes sobre a importância de manter a floresta em pé. Na área do ateliê, os artesãos recebem formação e trabalham com as ferramentas da fundação. Parte da receita com as vendas é utilizada para pagar as despesas da fundação e para eventual reposição de ferramentas, mas o destino da maior parte do lucro vai para o bolso dos artesãos. Além de artesanato com madeira, a fundação também produz sabonetes e objetos com papel reciclado.

Passe as fotos para o lado e veja um artesão e peças de artesanato de madeira da FAM / Divulgação

A história da Fundação Almerinda Malaquias começou justamente por causa dos tocos de madeira. Eram restos sem aparente utilidade da então frenética indústria de barcos de Novo Airão. Corriam os anos 1980. Miguel Rocha da Silva, empresário e guia de ecoturismo, teve a ideia de reciclar aquelas sobras de árvores para fazer réplicas das embarcações que nasciam nos estaleiros da pequena cidade de 20 mil habitantes. O objetivo era gerar renda extra para os ribeirinhos com a venda do artesanato aos ousados viajantes que davam as caras naquele lugar. 

Em 1992, um desses viajantes, o suíço Jean-Daniel Vallotton, desembarcou em Novo Airão com uma equipe de televisão a caminho de Parintins. Na viagem ao festival folclórico, conheceu Marta Vieira da Silva, filha de Miguel, de quem os suíços haviam alugado o barco. Ao tomar conhecimento do projeto, o suíço – encantado pela floresta e, coincidência, com formação técnica em marcenaria – decidiu abraçar a causa. Conseguiu recursos com amigos europeus, criou a Associação Ailleurs Aussi e em 1997 desembarcou em Novo Airão de mala, cuia e com dois contêineres cheios de equipamentos de marcenaria. 

Casou-se com Marta e em 2000 uniu forças com o sogro e colocou para funcionar a fundação, batizada com os nomes da mãe e do pai de Miguel, dona Almerinda e seu Malaquias. Naquela época os ribeirinhos já tinham a geração e renda bastante dificultada pela proibição de caça e pesca devido à legislação ambiental após a criação dos parques nacionais de Anavilhanas e do Jaú – com tamanho equivalente ao da Suíça. Novo Airão tem mais de 90% de seu território sob proteção. O artesanato se tornou uma fonte de renda importante para a população, diz o engenheiro paulistano Ruy Tone, presidente do conselho da fundação desde 2015.

Ruy, diga-se, é o nome por trás da fundação. Empresário, dono da Katerre, agência de viagens especializada em Amazônia, conheceu Miguel, Jean, Marta e companhia durante suas viagens pela floresta. Construiu um hotel de alto quilate (o Mirante do Gavião) e um barco de 64 pés e três andares (o Jacaré-Açu) e começou a levar turistas rio Negro acima. Encantou-se com a proposta da fundação e passou a colaborar com seu talento empresarial. Hoje passa um punhado de dias por mês em Novo Airão para tomar conta dos negócios e apoiar a fundação.

Em 2012, com uma doação de 85 mil dólares do governo japonês, a fundação incorporou uma área de floresta nativa a 6 quilômetros do centro da cidade. Batizado de Ekobé, o espaço abriga um centro de sensibilização e de pesquisa sobre o meio ambiente. Para estimular seus alunos a exercitarem suas habilidades no ecoturismo, o Espaço Ekobé inaugurou em 2018, uma trilha de 2.4 quilômetros com paradas estratégicas e explicativas para observar exemplares da flora e fauna da floresta. A caminhada pode e deve ser feita por visitantes antes ou depois de uma visita imperdível ao ateliê. 

Turistas visitam a loja da FAM e descobrem o artesanato feito pelos artesãos / Divulgação

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